Retoma interrompida e inflação alta: assim será 2022, segundo o FMI

Brasil é o caso mais dramático de travagem no crescimento este ano, revelam as previsões publicadas esta terça-feira pelo FMI. Escapam à desaceleração a Alemanha, Espanha, Índia e Japão. A inflação média anual vai ainda subir em 2022, mas desce daqui a um ano, dando razão a Christine Lagarde no que toca à zona euro.

Categoria: Internacional

A recuperação económica da crise gerada pela pandemia vai desacelerar em 2022, revelam as previsões do Fundo Monetário Internacional (FMI) publicadas esta terça-feira em Washington. O crescimento mundial anual vai abrandar de 5,9% em 2021 – o mais elevado desde 1973 – para 4,4% em 2022 e 3,8% em 2023, uma trajectória mais optimista do que a avançada recentemente pelo Banco Mundial.

A travagem progressiva deve-se a uma “sobrecarga de casos crescentes”, que se acumulam sem serem resolvidos, e que estão a agravar as desigualdades nos ritmos de retoma económica em várias partes do mundo, a alimentar a subida da inflação em todas as grandes economias – com destaque para os EUA – e as disrupções nas cadeias de fornecimento globais, obrigando os Estados a começar a apertar na política orçamental para lidar com uma dívida pública mundial recorde perto de 100% do PIB global. O FMI junta a toda esta “carga” as tensões geopolíticas crescentes (sobretudo no leste da Europa e na Ásia Pacífico), o fosso nos vacinados contra a covid (apenas 4% nos países pobres) e a alta probabilidade de se multiplicarem os desastres naturais em virtude da alteração climática.

Economia global em disrupção

Não admira, por isso, que o documento do FMI, divulgado esta terça-feira, seja intitulado sugestivamente “Sobrecarga de casos, retoma interrompida e inflação alta”. Também, em tom pessimista, foi publicada a intervenção de Gita Gopinath, economista-chefe do Fundo, e desde a semana passada primeira você-diretora-geral. “Uma economia global em disrupção”, intitula a número dois de Kristalina Georgieva no artigo que publicou no blogue da instituição resumindo as tendências mundiais.

Fruto dessa “sobrecarga” de problemas crescentes e persistentes, os economistas do FMI cortaram, agora, nas previsões de crescimento do mundo e de sete grandes economias, em relação ao que haviam avançado no World Economic Outlook (WEO) em outubro passado. Esta publicação de janeiro é uma actualização intercalar limitada, circunscrita às grandes economias, não incluindo previsões sobre economias pequenas e médias, como Portugal, que só serão publicadas em abril, aquando da nova edição completa do WEO.

Entre as tesouradas destacam-se os cortes mais elevados no crescimento do Brasil (que desacelera a pique, de 4,7% em 2021 para 0,3% em 2022, já perto de estagnação), Estados Unidos e México,  e mais moderados para a Alemanha, Canadá, China e Espanha.

Algumas boas noticias para Portugal

Apesar dos cortes nas previsões, a dinâmica mundial vai ficar, este ano, marcada por fortes divergências nos ritmos de crescimento.

Segundo o FMI, há dez grandes economias que aceleram em 2022: Alemanha, Arábia Saudita, os cinco membros da ASEAN (Associação das Nações do Sudeste Asiático), Espanha, Índia (que passa a ser a grande economia com maior taxa de crescimento, ultrapassando a China) e Japão. A aceleração na Alemanha e Espanha são boas notícias para Portugal, que tem essas economias entre os principais destinos de exportação.

Em contraste, há outras 10 grandes que abrandam este ano: África do Sul, Brasil (o caso mais dramático, depois de uma austeridade imposta em 2021 pelo ministro Paulo Guedes e de subidas sucessivas da taxa de juros pelo Banco Central do Brasil), China (cujo crescimento cai para quase metade e ficará abaixo de 5%), EUA, França, Itália, México, Reino Unido, Rússia e o conjunto da zona euro (desacelera de 5,2% em 2021 para 3,9% em 2022). Alguns destes países são destinos de exportação portugueses, sendo estas previsões um alerta.

Mas estas previsões poderão ter de ser revistas, de novo, em abril ou no verão. Há problemas que podem agravar-se, cita o FMI: o andamento da pandemia; a forma como a China vai lidar com a crise no mercado imobiliário e com as disrupções geradas pela política de covid zero; a multiplicação de desastres naturais; o aumento de revoltas populares contra a carestia de vida; e o disparo nas tensões geopolíticas com a projecção crescente de poder da Rússia e da China.

Inflação não nos larga, mas desce no próximo ano

Os constrangimentos que alimentam a subida de preços no consumidor não vão enfraquecer-se em 2022. Pelo contrário, a previsão do FMI é que o surto inflacionário continue este ano, só dando sinais de abrandamento no próximo ano.

Algumas das componentes que mais pressionam o índice de preços no consumidor vão continuar a subir: a cotação média das várias variedades do barril de petróleo vai aumentar 12%, o preço do gás natural vai disparar 58% e os preços das matérias-primas alimentares subirão mais 4,5%.

Fruto desta dinâmica de preços, as previsões do FMI apontam para uma subida da inflação anual nos EUA de 5,3% (um máximo desde 1990) no ano passado para 5,9% este ano (um novo máximo desde 1982). Ainda que, em níveis mais baixos, a mesma trajectória é esperada para a zona euro: de 2,6% no ano passado para 3% este ano, um máximo desde 2011. No caso das economias emergentes e em desenvolvimento, a taxa média anual vai subir de 5,7% para 5,9% naquele período.

No entanto, o surto inflacionista abranda em 2023, acabando por ser “transitório”, ainda que o documento do FMI não use a palavra que foi banida das comunicações oficiais de muitos bancos centrais. Na zona euro, a previsão aponta para uma descida da inflação em 2023 para 1,7%, ligeiramente abaixo inclusive das projecções (1,8%) apresentadas pelo Banco Central Europeu (BCE), caucionando a estratégia afirmada e reafirmada por Christine Lagarde, a presidente do BCE. Nos EUA, a inflação descerá para 2,7%, ainda assim acima do objectivo da Reserva Federal (que pretende controlar os preços em torno de 2%). Nos mercados emergentes e em desenvolvimento descerá de 5,9% em 2022 para 4,7% em 2023.

Aperto na política monetária faz mossa: FMI recomenda reestruturação de dívida

Este ano, o FMI não avança com uma receita única, salientando a diversidade das situações e a recomendação de que “as políticas devem ser adaptadas às circunstâncias específicas”. Kristalina Georgieva, a directora-geral do Fundo, já havia avançado essa orientação no debate realizado na Conferência do Fórum Económico Mundial em Davos este mês. No entanto, não deixa de salientar duas tendências centrais que se vão acentuar em 2022: um maior aperto nas políticas monetária e orçamental.

O aperto monetário iniciou-se massivamente no ano passado, com 50 bancos centrais, sobretudo de economias emergentes e em desenvolvimento, a subirem as taxas de juro, seguidos por alguns grandes bancos centrais, como o Banco de Inglaterra. Este ano é de esperar que as subidas dos juros tomem o lugar cimeiro em vários bancos de economias desenvolvidas, a começar pela Reserva Federal dos EUA (Fed), e que os programas de compra de ativos sejam descontinuados total ou parcialmente, com exceção do Japão (que lidará com inflação em torno de 1%). A China tem-se mostrado também em oposição ao aperto monetário, mas o FMI publicará na quinta-feira uma análise sobre a economia chinesa, após a última visita feita ao abrigo do artigo IV da instituição (que permite essas analises regulares).

O aperto pela Fed terá um efeito global, alerta o FMI. “Todos os países devem preparar-se para condições financeiras mais apertadas” e, em particular, os mercados emergentes e em desenvolvimento mais endividados em dólares vão ter de enfrentar “turbulência”. O Fundo aconselha-os a tentarem negociar as maturidades (estendo-as) ou mesmo recorrendo a apoio internacional para reestruturar as dívidas. O FMI pede ao G20 que conceda uma moratória na cobrança das dívidas a 60% das economias de rendimentos mais baixos que já estão em risco de stresse máximo.

No plano orçamental, os governos têm de voltar a estar “empenhados em demonstrar um plano de médio prazo que garanta um caminho de sustentabilidade da dívida”, aconselha o Fundo. O pioneiro da austeridade em 2021 foi o Brasil, com esse galardão reclamado pelo ministro da Economia Paulo Guedes, no debate realizado em Davos, onde sublinhou que espera registar um excedente orçamental em 2021 e que o Banco Central subiu várias vezes a taxa Selic, O resultado posterior, se as previsões do FMI se concretizarem, é uma redução brutal do crescimento em 2022, para próximo de uma estagnação. O crescimento arrebitará no ano seguinte, mas apenas para 1,6%.

Fonte: Expresso