BCE desliga bazuca, exige fim imediato de apoios na energia e diz que não pode ajudar mais Portugal
Juros. "Algumas famílias estão a sofrer porque os reembolsos aos bancos subiram com as nossas decisões", reconheceu Lagarde. "Mas isto é algo que, infelizmente, não podemos aliviar."
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Categoria: Internacional
As taxas de juro centrais (diretoras) da zona euro subiram novamente, mas agora num registo de abrandamento, anunciou ontem (quinta-feira, 4 de maio) o Banco Central Europeu (BCE). Para compensar, a maior bazuca de dinheiro barato (o programa APP, concebido para terminar com a crise do euro, em 2014), será desligada em julho.
APP é a sigla inglesa para “programa de compra de ativos (asset purchase programme)”.
Segundo o BCE, no final de abril, o sistema da zona euro ainda tinha na sua posse, sob o chapéu do APP, cerca de 3,3 biliões (milhões de milhões) de euros em ativos, dos quais 2,6 biliões de euros em divida pública.
Mas em julho, deve começar o encerramento do programa. A ideia é terminar os reinvestimentos que têm permitido conservar no balanço do BCE quantidades monumentais de dívida pública, por exemplo. Portugal tem sido muito beneficiado por isto, há anos, desde os tempos mais conturbados, quando ainda estava a tentar sair do programa da troika (em 2014, justamente).
Mas a partir de agora, à medida que as obrigações soberanas vencem, elas retornam ao mercado secundário, o que as pode fazer desvalorizar e agravar os juros dos Estados.
O BCE também mostrou grande impaciência com os apoios no campo da energia e exigiu aos governos que os “suprimam desde já” porque ameaçam “intensificar as pressões inflacionistas”.
Sobre as famílias endividadas e mais apertadas pela subida das taxas de juro (as portuguesas foram diretamente referidas pela presidente do BCE) também houve uma palavra e, descodificando, vão ter de se aguentar porque o combate contra a inflação está primeiro.
As taxas de juro vão continuar a subir durante muito tempo, reiterou Christine Lagarde, a presidente do BCE, na conferência de imprensa que se seguiu à reunião sobre taxas de juro.
Aperto vai ser longo, estamos a meio do caminho
Como referido, as taxas de juro diretoras da zona euro voltaram a subir, com a taxa central de refinanciamento a aumentar de 3,5% para 3,75%. A taxa de depósito, que até é a mais usada pelos bancos comerciais quando precisam de pedir emprestado ao BCE, aumenta para 3,25%.
Este novo aumento de 0,25 pontos percentuais (p.p.) traduz-se num abrandamento no ritmo de aperto monetário, mas o aperto continua.
E durante “muito tempo”, porque o cenário para a inflação assim o diz. Vai continuar “demasiado alta” e não se vê fim à vista, diz a autoridade sediada em Frankfurt, na Alemanha.
Extinção gradual da bazuca
Em comunicado, o BCE afirma que “quer” terminar já em julho, o enorme programa de expansão monetária (compras de dívida pública sobretudo, mas privada também) que lançou para combater de forma mais musculada a crise que ainda pairava sobre a zona euro, no final de 2014.
A descontinuação da chamada fase de reinvestimento do gigante programa APP ainda estava em aberto. Mas agora o BCE é mais claro: acaba em julho.
Ou seja, vai começar a desfazer-se das obrigações do Tesouro que conserva no balanço por via do “reinvestimento”, devendo os referidos títulos voltar ao mercado aberto, o que pode pressionar em alta as taxas de juro da dívida.
Seja como for, este processo de extinção do APP “deve durar 15 anos”, disse a presidente do BCE, Christine Lagarde, em conferência de imprensa, já que estamos a lidar com títulos de maturidades longas, ou seja, vão vencendo gradualmente ao longo de muito tempo.
Mas as taxas de juro soberanas continuam a subir. Só para se ter uma ideia, há um ano, em abril de 2022, a taxa de juro média da dívida soberana portuguesa a dez anos estava em 1,76%, mas no mês passado era quase o dobro (3,2%), indica o Banco de Portugal (BdP).
Para países muito endividados, como Portugal, é um problema e pode aumentar a pressão nas contas públicas.
No campo das políticas orçamentais, Lagarde mostrou mais impaciência ainda com as medidas de apoio às famílias e empresas contra os custos da energia. Em março, Lagarde disse que “é importante começar a descontinuar essas medidas sem demora”.
Ontem, trouxe tal exigência mais para cima no discurso e avisou: “com o desvanecimento da crise energética, os governos devem suprimir imediatamente e de forma concertada as medidas de apoio relacionadas, a fim de evitar intensificar as pressões inflacionistas a médio prazo, o que exigiria uma resposta mais forte da política monetária”.
O momento Portugal
As famílias portuguesas, espanholas ou finlandesas que se endividaram junto dos bancos e assinaram contratos de crédito indexado a taxas de juro variáveis (Euribor) “estão a sofrer” diretamente o impacto das subidas de taxas decididas pelo BCE, mas “infelizmente, não as podemos aliviar”, disse Lagarde.
Portugal, Espanha e Finlândia são países da zona euro onde a taxa de prevalência de novos empréstimos indexados a taxas variáveis bastante superior face aos pares.
Dados do próprio BCE obtidos pelo Dinheiro Vivo mostram que, atualmente, em Portugal, os novos empréstimos para compra de casa indexados a taxa de juro variável equivalem a 67% do total de novos contratos. O quinto maior valor da zona euro. A Finlândia lidera este ranking, com 98% do total de novos negócios hipotecários indexados a taxas variáveis. A média da zona euro está nuns meros 24%.
Lagarde foi questionada sobre isto e respondeu: “Claro que estamos cientes que há famílias que contrataram empréstimos a taxas variáveis.”
“Em países como Finlândia, Portugal, Espanha, é verdade que algumas famílias estão a sofrer porque os reembolsos [amortizações e juros] que têm de honrar junto dos bancos subiram em resultado das nossas decisões de aumentar as taxas de juro diretoras”, reconheceu a chefe máxima do BCE.
“Mas isto é algo que nós, infelizmente, não podemos aliviar ou atenuar porque a nossa tarefa é alcançar a estabilidade de preços e reduzir a inflação”, justificou a banqueira central. E não desarmou: “A nossa tarefa é reduzir a inflação e para isso temos de usar as taxas de juro”.
Fonte: Dinheiro Vivo