Banco central dos EUA tem pressa de acabar com os estímulos e as bolsas sofreram um primeiro murro

Depois de um máximo histórico na capitalização bolsista mundial em 2021, os mercados de ações abriram o novo ano no vermelho.

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Categoria: Internacional

A divulgação das atas da última reunião da Reserva Federal (Fed), o banco central dos Estados Unidos, provocou uma reviravolta no mais importante mercado de ações do mundo. Nova Iorque regressou ao vermelho logo na primeira semana do novo ano, com o índice global a perder 2,3%. O relato da reunião de dezembro em Washington revelou que a generalidade dos banqueiros centrais norte-americanos está com muita pressa em apertar a política monetária em 2022.  Mais pressa do que se julgava depois de serem conhecidas as decisões de 14 e 15 de dezembro.

O gradualismo, que aparentava ser a bússola de Jerome Powell, o presidente da Fed, foi já remetido para arquivo na cave. Os analistas falam de um ‘triplo ataque’ este ano: acabar com o programa de compra de ativos (sobretudo títulos do Tesouro) já em março; subir a taxa diretora (que está em mínimos de 0% a 0,25%) três vezes durante o ano; e começar a emagrecer, rapidamente, o balanço do banco (que regista um recorde de valorização de 8,8 biliões de dólares, cerca de 7,8 biliões de euros, menos do que o Banco Central Europeu), logo a seguir à primeira mexida na taxa diretora – que, segundo os mercados de futuros, será já na reunião de março.

As atas da Fed deram um murro valente nas bolsas. A começar por Nova Iorque: depois de ganhos de dois dígitos em 2021, os índices fecharam a primeira semana do novo ano no vermelho. O índice mais afetado foi o Nasdaq, das tecnológicas cotadas, com uma quebra de 4,5%. A segunda onda de choque atingiu as bolsas chinesas e a praça de São Paulo, no Brasil. O índice de Shenzhen (bolsa das tecnológicas chinesas na região de Cantão) perdeu 3,5% e o iBovespa, em São Paulo, caiu 2%. O efeito global do contágio norte-americano levou o índice mundial, fornecido pela MSCI, a recuar 1,4%, depois de ter ganho 17% em 2021.

A zona euro ficou ligeiramente abaixo da linha de água, revelando alguma resiliência, e Lisboa escapou à maré vermelha com o PSI-20 a valorizar-se 0,5%. Os melhores desempenhos nesta primeira semana de 2022 registaram-se na Turquia (o índice BIST 100 valorizou 9%), em Viena de Áustria (a melhor praça na zona euro), Mumbai e Singapura.

2022 vai ser ano de crash?

A incerteza que atormenta os analistas é saber se o sinal dado pela Fed e o curso incerto da variante Ómicron vão provocar um tsunami nas bolsas com o rebentar de algumas ‘bolhas’ de hipervalorização. Ou seja, a Fed e a Ómicron (ou uma nova variante mais contagiosa e mais letal) vão provocar um crash nas bolsas mais hipervalorizadas?

As valorizações mais exuberantes nas cotadas em bolsa registam-se nos Estados Unidos – tomando em conta o rácio dos preços das cotadas em relação aos ganhos nos últimos 10 anos, conhecido pela sigla em inglês CAPE, criado pelo Nobel Robert Shiller – e na Índia. No final de dezembro do ano passado, o rácio nos EUA atingiu 39,6 pontos, o mais elevado desde setembro de 2000, já no rescaldo do crash do Nasdaq. Aquele rácio significa que os preços das cotadas no índice S&P 500 (as 500 cotadas mais importantes na bolsa norte-americana) estão quase 40 vezes acima dos ganhos médios gerados em uma década.

O máximo atingido durante a ‘bolha’ das dotcom (empresas tecnológicas) nos EUA foi em dezembro de 1999, com o rácio a marcar um pico de 44 pontos. Na bolsa de Bombaim, na Índia, o rácio subiu para 34,7 pontos, face a um máximo de 49 em 2007, segundo dados dos índices da Barclays. Na Europa, o rácio está em 24,31, ainda muito abaixo do máximo de 43 em março de 2000.

Apesar da turbulência na China – com o índice bolsista geral a acumular uma quebra de 17% nos últimos 12 meses -, o rácio de valorização é ainda baixo, de cerca de 15 pontos, face a um máximo de 55 em outubro de 2007.

Fed não está só

O movimento de aperto da política monetária pelos bancos centrais é mundial e iniciou-se, em força, no ano passado, com a taxa média diretora global a subir de 4,18% para 5,51%, segundo dados do portal Central Bank News. Na primeira semana de 2022, já subiu para 5,55%, depois de quatro bancos centrais de economias emergentes terem aumentado as taxas diretoras esta semana: Argentina (fortemente pressionada pelo Fundo Monetário Internacional subiu a taxa Leliq a 28 dias para 40% e a 180 dias para 44%), Peru, Polónia (subiu a taxa diretora para 2,25%, o que pode favorecer o Bank Millennium, detido pelo português MillenniumBCP em 51%) e Uruguai.

O principal móbil para esta subida das taxas diretoras tem sido o surto de inflação global. A inflação média mundial subiu de 3,2% em 2020 para 4,4% em 2021, o nível mais alto desde 2011, segundo dados da Statista. Na zona euro, a inflação média anual em 2021 é estimada em 2,6%, o nível anual mais alto desde 2011, no início da crise das dívidas.

Um nível de 2,6% está claramente acima do objetivo de 2% da política monetária do Banco Central Europeu (BCE), que, no entanto, mantém uma estratégia de “passo a passo”, apenas prevendo descontinuar em março o programa especial de compra de dívida conhecido pela sigla PEPP (e lançado em março de 2020 com a declaração da pandemia). Gerou, por isso, alguma expetativa para a reunião do conselho do BCE em março, face a máximos de várias décadas na inflação em dezembro na zona euro (5%) e em algumas economias importantes do euro (5,7% na Alemanha; 6,4% na Holanda; 6,7% em Espanha).

Em março, o BCE analisará as novas previsões e já terá em conta a marcha da inflação nos dois primeiros meses do ano. Portugal e Malta mantiveram em dezembro os nívels de inflação mais baixos da zona euro, inferiores a 3% (2,8% para o índice harmonizado para Portugal).

Matérias-primas continuam a valorizar-se

Depois de um ganho de quase 39% em 2021, o índice CRB, que abrange as principais 19 matérias-primas, prosseguiu a trajetória de subida na primeira semana do novo ano: valorizou-se 2,4%, com destaque para as energéticas: 6,6% no óleo de aquecimento; 6,3% no gasóleo; 5,5% no gás natural; e 5,1% no preço do barril de Brent, referência petrolífera na Europa. O preço deste último subiu de 77,768 dólares no final do ano para 81,78 dólares a 7 de janeiro.

No grupo agro-alimentar, o café valorizou-se 5,4%, acumulando quase 100% de subida do preço nos últimos 12 meses. Os principais metais preciosos continuam com os preços em quebra. O preço da prata desceu 4%, do ouro caiu 2% e da platina quase 1%. A prata acumula uma descida de 10% no preço nos últimos 12 meses.

A subida dos preços das matérias-primas (sobretudo energéticas) e dos produtos intermédios e o aumento nos custos de transporte estão a ter um forte impacto no disparo dos preços na produção (na ordem dos dois dígitos) e vão pressionar a inflação no consumidor.

Juros da dívida já estão a subir

O efeito de contágio norte-americano estendeu-se à zona euro. A taxa de mercado dos títulos do Tesouro norte-americano a 10 anos subiu esta semana de 1,51% para 1,77%, e as projeções do algoritmo do portal World Government Bonds apontam para que chegue a 2,6% no final do ano.

Na zona euro, as taxas a 10 anos para as obrigações alemãs, que servem de referência no espaço da moeda única, subiram para -0,04%, já perto da linha de água, e as projeções apontam para uma passagem a terreno positivo, chegando a 0,6% em dezembro. Na dívida de longo prazo, os investidores vão deixar de pagar ao Tesouro alemão para deter títulos considerados dos mais seguros na zona euro.

No caso de Portugal, nas obrigações a 10 anos, a subida será quase para o dobro nos próximos 11 meses: de 0,58% a 7 de janeiro para 1,1% projetado para dezembro. O impacto no custo das emissões de dívida portuguesa será significativo, retirando-o dos mínimos de 0,5% e 0,6% respetivamente em 2020 e 2021.

A Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública (IGCP) prevê, no plano de financiamento para 2022, emitir 21 mil milhões de euros em obrigações e bilhetes do Tesouro, incluindo duas operações sindicadas para lançar duas novas linhas de referência nas obrigações (uma, certamente, a 10 anos, e em breve, segundo os analistas).

Fonte: Expresso